Sobre os quóruns em sociedades limitadas para tomada de decisão
Uma breve introdução
A forma societária mais comum para empresas recém-criadas é a sociedade limitada, com aspectos legais regidos pelo Código Civil e, subsidiariamente, pela Lei das Sociedades Anônimas.
Não é incomum, entretanto, que os fundadores não conheçam os quóruns de votação e não façam um planejamento prévio de como o quadro societário será estabelecido.
Isso se torna ainda mais relevante para o cenário de start-ups, porque costumeiramente possuem interesse por investimentos e o desconhecimento das regras de deliberação pode resultar em poderes elevados a sócios minoritários ou então retirar o controle e tomada de decisão do grupo fundador.
Por que se preocupar?
O problema não ocorre quando os sócios possuem relação próxima e mantém o curso de interesses em relação ao negócio uníssono. Contudo, à medida que a empresa cresce, oportunidades de novos sócios ou investidores entrarem na sociedade poderão surgir e é principalmente nesses momentos que os interesses podem começar a se tornar diferentes.
Conforme a pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Governança e Compliance (IBGC), em 2019, 39% (trinta e nove porcento) das start-ups brasileiras passaram pelo processo de entrada de um novo sócio e 29% (vinte e nove porcento) passaram pelo processo de saída de um sócio. Isso demonstra a relevância do tema e a sua recorrência.
Como a entrada ou a saída de um sócio sempre influenciará a participação societária e o quadro de sócios, é inevitável que os sócios remanescentes, em especial os fundadores, verifiquem em que posição se encontram em relação ao controle societário da empresa.
Salienta-se que não há problema em se criar uma sociedade sem um sócio ou um grupo de sócios que represente o controle societário, porém a facilidade e agilidade de votação de determinadas matérias pode ser determinante para empresas iniciantes. Ou seja, a fragmentação do capital social e a difusão elevada do poder de voto podem atrasar decisões importantes ou mesmo impedir que sejam adotadas.
A título de exemplo, exigir o quórum de ¾ para aprovação de uma matéria simples representaria a necessidade de se formar um grupo que represente 75% dos votos da sociedade. Num cenário em que a sociedade tenha apenas 4 sócios, pode ser fácil negociar e unificar interesses, mas em sociedades com muitos sócios ou investidores isso se pode tornar muito mais difícil. Lembra-se que caso o quórum previsto no contrato social não seja alcançado, a matéria não poderá ser aprovada.
A primeira vista isso pode ser interessante, principalmente para sócios minoritários. Contudo, nem sempre isso representa o melhor interesse da sociedade, já que algumas decisões podem ser cruciais para a empresa e podem depender de uma aprovação ágil, já que nem sempre há tempo hábil para negociações.
Seguindo esta lógica, o quórum de deliberação de sociedades limitadas tem sofrido alterações legislativas a fim de facilitá-los e aproximar os critérios de tomada de decisão aos das sociedades anônimas, como ocorreu com a extinção do quórum de deliberação mínimo de ¾ do capital social com a promulgação da Lei sob n.º 14.451/22.
De todo modo, o assunto continua como um dos principais tópicos de definição entre sócios quando da elaboração do contrato social ou do acordo de sócios.
Quanto às decisões que requerem deliberação entre os sócios
Quando se fala em estrutura de composição societária de uma sociedade empresária, um dos primeiros passos é a definição dos quóruns de deliberação. Contudo, antes de definir os quóruns é recomendável que o empreendedor verifique a quantidade de sócios que essa sociedade terá e a distribuição das quotas.
Como relatado, é importante compreender questões relacionadas a controle societário antes de definir quóruns mais simples ou mais complexos de serem alcançados.
Além disso, decisões corriqueiras, ou seja, aquelas que se referem às atividades regulares da sociedade empresarial, são tomadas unipessoalmente pelo administrador da sociedade.
Assim, para o fim de verificar se a tomada de decisão deve ser submetida a deliberação entre sócios, é necessário verificar o Código Civil, Lei competente para regular a matéria.
O art. 1.071 do Código Civil prevê que as seguintes matérias dependerão de deliberação dos sócios: (i) aprovação de contas da administração; (ii) designação dos administradores, quando feita em ato separado; (iii) destituição dos administradores; (iv) modo de remuneração, quando não estabelecido no contrato; (v) modificação do contrato social; (vi) incorporação, fusão e dissolução da sociedade ou cessação do estado de liquidação; (vii) nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento de suas contas; (viii) pedido de concordata.
Além disso, toda deliberação que tratar de exclusão de sócios ou transformação do tipo societário também deverá ser objeto de deliberação dos sócios e o contrato social pode prever outras matérias que deverão ser objeto de deliberação.
Quanto a competência para convocação
A convocação também é um ponto que os sócios, especialmente aquele que for administrador, devem se atentar. Em especial porque podem gerar a nulidade de atos societários e por consequência podem gerar prejuízos à sociedade ou aos sócios.
Em regra, a convocação deverá ser realizada pelo administrador. Excepcionalmente, poderá ser convocada também pelos sócios quando: (i) o administrador retardar sua convocação; ou (ii) por titulares de mais de ⅕ do capital social quando não atendido o pedido de convocação fundamentado no prazo de 8 dias.
Além disso, pelo conselho fiscal, na hipótese de: (i) motivo grave ou urgente; ou (ii) quando o administrador retardar em mais de 30 dias sua convocação anual.
Responsável pela convocação | Hipótese |
Administrador |
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Sócios |
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Conselho fiscal |
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Quanto a forma de convocação
É necessário realizar a publicação do anúncio da convocação da assembleia de sócios por 3 (três) vezes, ao menos, e prever prazo de 8 (oito) dias entre a data da primeira inserção e a da realização da assembleia.
No caso de insucesso da primeira convocação, a segunda convocação também exige a publicação por 3 (três) vezes, porém reduz o prazo entre a data da primeira publicação e a da realização da assembleia para 5 (cinco) dias.
A instalação da assembleia ocorre, em primeira convocação, quando houver a presença de pelo menos ¾ do capital social, ou seja, pelo menos 75% do capital social votante.
Caso não seja atingido esse número, a segunda convocação autorizará a instalação com qualquer número, nos termos do art. 1.074 do Código Civil.
Primeira convocação | Segunda convocação |
|
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A reunião dos sócios seguirá os critérios previstos para a assembleia, a menos que o contrato social preveja regras diferentes.
Em relação à escolha entre reunião ou assembleia, sociedades com mais de 10 sócios devem convocar assembleia e aquelas que possuírem menos tem a liberalidade de realizar uma reunião de sócios, nos termos do art. 1.072, §1º, do Código Civil.
Quanto aos quóruns de deliberação
No tocante a quóruns de deliberação, o art. 1.076 do Código Civil prevê que a regra, quando não houver previsão mais restritiva na lei ou no contrato social, será a maioria de votos dos presentes.
Ou seja, se, em segunda convocação, apenas 10% do capital social votante comparecer, a deliberação tomada pelos sócios que representem esses 10% será obrigatória e, nos termos do art. 1.072, §5º, vinculará a todos os sócios, ainda que ausentes ou dissidentes.
Por isso, é muito importante atentar-se às convocações para não perdê-las e ser obrigado a se submeter às decisões dos demais sócios. Além disso, também é importante considerar a criação de quóruns mais rígidos para determinadas matérias.
A título de exemplo, se mantido o quórum previsto pelo Código Civil para alteração do contrato social e caso haja um sócio com mais de 50% do capital social, esse sócio poderá modificar o objeto social mesmo com a discordância dos sócios, ou mesmo autorizar a emissão de novas quotas com aumento do capital social para subscrição (o que pode implicar diluição ou aumento do percentual societário de alguns sócios, caso não consigam acompanhar o aumento do capital social).
Lembra-se que a maioria absoluta não corresponde a 51% do capital social, mas a 50% (cinquenta por cento) dos votos mais um voto, ou seja, o percentual necessário para aprovação é inferior a 51% (cinquenta e um por cento).
Em caso de empate, deverá prevalecer a decisão escolhida pelo maior número de sócios. Isso significa que, num cenário em que 6 sócios detenham 50% do capital social e votem contra a aprovação das contas da administração, e outros 4 sócios, detentores também de 50% do capital social, votem a favor da aprovação, prevalecerá a decisão de rejeição, nos termos do art. 1.010, §2º, do Código Civil.
Caso persista o empate após utilizado este critério, a questão deverá ser submetida à deliberação de um juiz.
Por isso, é essencial que os sócios que participem das deliberações as colham por escrito, com assinatura de todos os presentes. Não há óbice à realização da deliberação de forma eletrônica, contudo deve ser assegurado o direito de voto a todos os presentes, com a anotação dos resultados das deliberações e dos respectivos votos.
Por fim, caso haja discordância, ou seja, dissidência durante a deliberação, o sócio vencido deve fazer constar seu voto na ata elaborada, a fim de evitar responsabilização pela decisão tomada pela maioria, nos termos do art. 1.080 do Código Civil.
Quóruns de deliberação para sociedade empresária limitada | |||
Maioria de votos dos presentes (maioria simples) | Mais da metade do capital social (maioria absoluta) | No mínimo ⅔ do capital social | Unanimidade |
Aprovação das contas da administração (art. 1.071, I) | Designação dos administradores, quando feita em ato separado (art. 1.071, II) | Designação de administrador não sócio, quando o capital social não estiver integralizado (art. 1.061) | Dissolução de sociedade com prazo determinado (art. 1.033, II) |
Nomeação e destituição dos liquidantes e o julgamento de suas contas (art. 1.071, VII) | Destituição do administrador, modo de remuneração (quando não previsto em contrato) (art. 1.071, III e IV) | Transformação do tipo societário (salvo se previsto quórum diferente no contrato social — art. 1.114) | |
Modificação do contrato social (art. 1.071, V) | |||
Incorporação, fusão e dissolução da sociedade(art. 1.071, VI) | |||
Pedido de concordata (art. 1.071, VIII) | |||
Designação de administrador não sócio, quando o capital social estiver integralizado (art. 1.061) | |||
Exclusão de sócio minoritário (art. 1.085) |
Cuidados periódicos
Diante desses pontos, as regras de deliberação societária devem ser periodicamente analisadas pelos sócios, especialmente quando houver mudanças nos quadros societários.
É necessário entender qual o objetivo de cada sócio com a sociedade, já que podem existir diversos objetivos conflitantes, como: se pretendem permanecer a curto ou longo prazo. Caso um investidor que busque lucrar a curto prazo entre na sociedade, é presumível que ele vote por decisões que objetivem a maximização de resultados e lucros, conflitando com a visão de sócios que procurem investir a longo prazo, por exemplo.
A formação de blocos de votação entre vários sócios pode ser importante para a unificação e facilitação da tomada dessas decisões, contudo não é necessária e tampouco é obrigatória.
O que realmente não pode ser deixado de lado é a definição prevista no contrato social e acordo de sócios da sociedade.
¹ Disponível em: <https://conhecimento.ibgc.org.br/Paginas/Publicacao.aspx?PubId=24153>. Acesso em: 13 de fevereiro de 2023.
² Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=2077720>. Acesso em: 13 de fevereiro de 2023.
Quóruns em sociedades limitadas
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