Problema jurídico é uma coisa que ninguem quer ter, e seu e-comemerce precisa tomar cuidado para não ter esses problemas
Introdução
A Quarta Revolução Industrial e o novo paradigma da informação transformaram as lógicas sociais, tecnológicas e econômicas. A Sociedade em Rede, como descrita por Manuel Castells, decorrente da Quarta Revolução Industrial, é uma sociedade caracterizada pela globalização, mobilidade, uma lógica de fluxos e a pervasividade das tecnologias.
Nesse contexto, a sociedade tecnológica e a sociedade de consumo se encontram nos E-commerce, os quais têm como principal característica o meio da oferta, formulado por meio da internet. De acordo com estudo realizado pelo BigData Corp em parceria com o PayPal, a expansao dos comércios eletrônicos no Brasil bateu recorde no ano de 2020 com um ritmo de crescimento de 40, 7% ao ano, batendo a marca de 1,3 milhões de sites de e-commerce no país, responsáveis por 8,48% do total de sites na internet brasileira.
Por ser uma lógica de consumo ainda em desenvolvimento, observa-se que o comércio eletrônico ainda apresenta alguns pontos de preocupação para o mundo jurídico, tendo em vista que o Direito não consegue acompanhar a velocidade de inovação do mundo tecnológico e, assim, a regulação desses contratos é feita por meio de leis dispersas.
Algumas das principais preocupações que surgem com o E-commerce dizem respeito à segurança dos contratos eletrônicos e a segurança e proteção de dados dos consumidores, os quais serão abordados neste artigo.
A segurança dos contratos eletrônicos
A questão da segurança dos contratos eletrônicos pode ser vista de diversas perspectivas, seja em relação à validade do contrato e à qualidade do produto, que não pode ser verificada de imediato, no ato da compra; seja em relação à segurança quanto aos riscos de fraude e vazamentos de dados dos consumidores.
Todavia, ainda que essa forma de contratação apresente desafios à sua tutela, suas peculiaridades não afastam a aplicação dos dispositivos tradicionais que regulam as relações consumeristas e a formação e o cumprimento dos contratos. Desse modo, da mesma forma que ocorre nas relações de consumo tradicionais, as relações e os contratos formados por meio da internet serão regulados também pelo Código Civil e pelo Código de Defesa do Consumidor, além do Decreto 7.692/2013, criado especificamente para regulamentar o CDC no que diz respeito às contratações pelo comércio eletrônico e do Decreto 10.271/2020, que dispõe sobre a execução da Resolução GMC nº 37/19 do Mercosul sobre a proteção dos consumidores nas operações de comércio eletrônico.
Nesse sentido, uma questão que se destaca no contexto de um contrato de compra e venda eletrônico é o fato de não haver um contato imediato com o produto ou serviço, o que pode levar o consumidor ao engano caso a descrição do produto ou serviço não se coadune com suas características reais ou, ainda, caso o produto sofra avarias antes ou durante a entrega ao consumidor.
Nessa situação, as regras para cancelamento da compra ou devolução do produto por arrependimento são as mesmas previstas no Código de Defesa do Consumidor, o qual prevê, em seu artigo 49, que o consumidor pode desistir do contrato, no prazo de sete dias a contar de sua assinatura ou do recebimento do produto, sempre que a contratação ocorrer fora do estabelecimento comercial, norma que abrange, portanto, a contratação feita pela internet.
Em acréscimo a este dispositivo, o Decreto 7.962/2013 dispõe, em seu artigo 5º e parágrafos, que o fornecedor deverá informar, de forma clara e ostensiva, os meios para o exercício desse direito pelo consumidor. O Decreto prevê que o exercício desse direito deve ser realizado pela mesma ferramenta utilizada para a contratação e que o seu exercício implica a rescisão dos contratos acessórios.
Ademais, há previsão de que o exercício do direito de arrependimento deve ser comunicado imediatamente à instituição financeira ou administradora do cartão de crédito para que a transação não seja lançada na fatura do cartão de crédito do consumidor ou para que o estorno do valor seja realizado.
Todavia, o legislador não foi claro quanto a solução jurídica adequada para as situações em que o consumidor devolve um produto já utilizado ou quando não há certeza do responsável pela avaria do produto, tendo em vista que, na maioria dos casos, o consumidor que adquire produtos online não os abre imediatamente após o seu recebimento, principalmente nos casos em que o produto é recebido pela portaria de um condomínio.
Nesses casos, a justiça tem entendido que o direito de arrependimento ou direito de reflexão não se confunde com o um período para teste do produto, já que ao utilizá-lo, o consumidor cria a expectativa de conclusão do negócio jurídico. Desse modo, o direito de arrependimento é um instrumento que visa proteger o consumidor de práticas comerciais agressivas, mitigando sua vulnerabilidade nos casos em que ele não tem acesso imediato ao produto, situação em que não se pode saber com certeza o que exatamente se está adquirindo, deixando de ser aplicado nos casos em que o consumidor já teve a oportunidade de testar o produto.
Proteção de dados do consumidor
Outra preocupação que surge no âmbito das contratações eletrônicas é a proteção de dados pessoais dos consumidores. As empresas que atuam online frequentemente exigem que os consumidores forneçam uma gama de dados pessoais para que a contratação possa ser efetuada, os quais são utilizados não só para fins exclusivos daquele contrato em específico, mas também para o delineamento do perfil do consumidor e criação de marketing orientado a esse perfil.
Para regular o tratamento de dados pessoais, em outubro de 2020 a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) entrou em vigor, com exceção das sanções, que entram em vigor a partir de agosto deste ano.
A Lei Geral de Proteção de Dados vem para proteger os titulares dos dados de tratamentos indevidos e para finalidades indesejadas, prevendo uma série de direito para os titulares e deveres para os agentes de tratamento de dados, incluindo a exigência de consentimento claro e inequívoco do titular de dados para o tratamento, a transparência durante todo o processo, e a exigência de atendimento dos princípios de finalidade, adequação, necessidade, livre acesso aos dados pelo titular, qualidade dos dados, transparência, segurança, prevenção, não discriminacao e responsabilização e prestação de contas.
Dessa forma, a lei traz a necessidade de que as empresas que realizam o tratamento de dados implementem instrumentos de atendimento às solicitações dos consumidores titulares dos dados, como um canal direto com o DPO (Data Protection Officer ou, encarregado pelos dados) e serviços de ouvidoria, como um ombudsman.
Autorregulamentação
A tendência do comércio eletrônico no Brasil é crescer e, desse modo, o Estado vem buscando formas para melhor regular a matéria, de forma que o desenvolvimento do e-commerce seja estimulado ao passo que os consumidores sejam protegidos e sua vulnerabilidade mitigada.
Nesse sentido, uma tendência que se tem observado em todo o mundo é a de autorregulamentação da economia digital, que se faz por meio de instrumentos como os chatbots, tecnologias blockchain, mecanismos online de resolução de conflitos, implementação de um ombudsman etc.
A autorregulamentação é a utilização de mecanismos de regulação de interesses econômicos e sociais, bem como de relacionamentos e práticas comerciais, de forma espontânea, baseada em regras culturais e comportamentais, com observação aos compromissos morais e éticos.
Neste contexto, faz-se necessário que o Brasil acelere o passo para acompanhar as novas tendências tecnológicas, comerciais e de regulamentação mundiais, com a finalidade de promover uma regulamentação que forneça segurança jurídica a ambas as partes das relações comerciais, ao mesmo tempo em que incentiva o desenvolvimento tecnológico e comercial.
1 ESTUDO: Panorama geral do e-commerce brasileiro (6a edição). BigData Corp, 01 set. 2020. Disponível em: https://bigdatacorp.com.br/ritmo-de-expansao-do-total-de-lojas-online-no-brasil-e-superior-a-40-ao-ano/. Acesso em: 22 fev. 2021.
2 Nesse sentido: TJDF, Processo n. 0708175-24.2020.8.07.0016, Juíza de Direito Giselle Rocha Raposo, Brasília-DF, julgado em: 22 jul. 2020.
3 Sobre a implantação do Ombudsman no comércio eletrônico: OLIVEIRA, Roberto de Jesus. O papel do ombudsman no comércio eletrônico. E-commerce Brasil, 01 jan. 2011. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/o-papel-do-ombudsman-no-comercio-eletronico/. Acesso em: 22 fev. 2021.
Referências
ESTUDO: Panorama geral do e-commerce brasileiro (6a edição). BigData Corp, 01 set. 2020. Disponível em: https://bigdatacorp.com.br/ritmo-de-expansao-do-total-de-lojas-online-no-brasil-e-superior-a-40-ao-ano/. Acesso em: 22 fev. 2021.
FLÓRIO, Ricardo Amorim. Dilemas do e-commerce brasileiro: regulamentação estatal e autorregulação privada. E-commerce Brasil, 04 fev. 2021. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/dilemas-do-e-commerce-brasileiro-regulamentacao-estatal-e-autorregulacao-privada/. Acesso em: 22 fev. 2021.
FRANDOLOSO, Ezequiel. Problema aparente do produto e direito de reflexão no novo mundo de consumo. E-commerce Brasil, 18 jan. 2021. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/problema-aparente-do-produto-e-direito-de-reflexao-no-novo-mundo-de-consumo/. Acesso em: 22 fev. 2021.
OLIVEIRA, Roberto de Jesus. O papel do ombudsman no comércio eletrônico. E-commerce Brasil, 01 jan. 2011. Disponível em: https://www.ecommercebrasil.com.br/artigos/o-papel-do-ombudsman-no-comercio-eletronico/. Acesso em: 22 fev. 2021.
TJDF, Processo n. 0708175-24.2020.8.07.0016, Juíza de Direito Giselle Rocha Raposo, Brasília-DF, julgado em: 22 jul. 2020.