Os planos de incentivo a longo prazo, instrumentos contratuais de retenção de talentos, são muito conhecidos no ecossistema das startups. Estes contratos possibilitam que as empresas emergentes, que não conseguem oferecer uma remuneração nos padrões das grandes empresas, mantenham seus colaboradores chave engajados
Os incentivos a longo prazo (ILP) podem ser excelentes soluções para as relações entre empregador e empregado e para o crescimento de empresas no geral, seja ela uma startup em estágio inicial ou já consolidada.
Na prática, esses incentivos se caracterizam por compensações financeiras ou societárias para colaboradores que atingem metas pré estabelecidas, sejam elas temporais ou vinculadas às métricas objetivas.
As chamadas “Phantom Shares”, também conhecidas como “Phantom Stocks”, “Phantom Stock Options”, “Phantom Equity” ou simplesmente Ações Fantasma, possuem esse nome em razão de utilizar como base as ações da empresa, que serão levadas em consideração para o pagamento do valor do incentivo.
A ações são fantasma porque não serão cedidas de fato para o beneficiário, apenas servirão de base para o pagamento, ou seja, as ações não existem de fato, são fantasmas, simuladas. Sua utilização é recomendada principalmente quando o “cap-table” das empresas já está diluído entre fundadores e investidores, não existindo margem para maior diluição, em virtude de contratos firmados anteriormente.
O contrato de outorga condicionada de ações fantasma, nome técnico por vezes utilizado, é o instrumento adequado para formalizar a concessão de ações fantasma. Nesse contrato, muito similar aos contratos de vesting, estabelecem-se métricas temporais e/ou objetivas para um colaborador, chamado de outorgado ou beneficiário, obter, após adimplidas essas métricas, um bônus financeiro com valor baseado na quantidade de quotas fantasma que ele obteve durante a relação contratual.
É possível estabelecer de forma prévia o valor das ações que o outorgado receberá ou vinculará ao preço futuro. Como será detalhado adiante, por ser um contrato atípico, sem previsão legal, muitas variações podem ocorrer, haja vista que o contrato decorre da natureza privada.
As phantom shares no cenário Brasileiro
Como exposto anteriormente, as Phantom Shares não possuem previsão legal expressa na legislação brasileira e, portanto, é preciso certa cautela na elaboração desses programas, devido às possíveis implicações fiscais e trabalhistas.
Sob a ótica do direito do trabalho, a natureza jurídica do benefício é discutível, existem discussões sobre suas características salariais e também indenizatórias.
Mauricio Godinho Delgado conceitua o salário como “a parcela central devida ao trabalhador no contexto da relação de emprego” e, segundo o mesmo doutrinador, essa contraprestação possui como características principais o caráter alimentar; caráter forfetário; indisponibilidade; irredutibilidade; periodicidade; continuidade; natureza composta: tendência à determinação heterônoma; pós-numeração.
Não sendo o objeto deste texto o detalhamento das características das verbas salariais, é preciso apenas destacar duas delas: o caráter alimentar e a indisponibilidade.
Ainda seguindo o entendimento de Mauricio Godinho Delgado, o caráter alimentar de verbas salariais significa que a verba atenderá ao conjunto de necessidades do empregado. Nesse sentido, a doutrina que debate a natureza das verbas em Phantom Share afirma que a natureza variável e eventual deste instituto retira a natureza alimentar, haja vista que se trata de uma expectativa condicionada, ou seja, a remuneração não é certa e na grande maioria das vezes não é de valor determinado, dependendo de diversos fatores, como a avaliação da empresa no momento da bonificação. Na conceituação de Delgado, esses pontos afastam o caráter alimentar da prestação, uma vez que é incerto, diferentemente de um salário.
Ainda, é possível também que o colaborador renuncie aos direitos previstos no contrato, ou até mesmo encerre a relação antes do previsto, podendo não receber nada pela resilição antecipada.
A possibilidade de resolver o contrato demonstra também o seu caráter disponível, mais uma característica que desenquadra o contrato do aspecto salarial.
Também sob a ótica de Mauricio Godinho Delgado, “trata-se, assim, de parcelas econômicas que não se integram ao salário do obreiro, não tendo o efeito expansionista circular tão próprio aos salários.”
Nesse ínterim, se torna nítido, portanto, que o contrato de Phantom Share se trata de uma remuneração variável que não visa a contraprestação ao serviço prestado, mas sim remunerar o colaborador ou parceiro pela participação na valorização dos negócios da empresa, tendo uma natureza indenizatória.
Phantom Shares ou Stock options?
Em que pese serem dois instrumentos que possibilitam a retenção de talentos por serem institutos de incentivo à longo prazo, os contratos são semelhantes, mas têm relevantes diferenças.
O contrato de stock options, também conhecido como “contrato de vesting”, é utilizado pelas empresas para possibilitar a efetiva opção de compra de ações da empresa pelos empregados.
É daí que decorre a principal diferença dos instrumentos discutidos, enquanto no contrato de stock options existe uma compra das ações da empresa, ou seja, o colaborador se torna sócio de fato da empresa, no contrato de phantom share, conforme já apontado, as quotas ou ações da empresa somente são utilizadas como base para a remuneração indenizatória.
Existem diferenças na redação dos instrumentos e é possível escrever um artigo somente apontando as cláusulas e as implicações práticas de ambos os contratos. Há em nosso site um artigo que trata exclusivamente de vesting, caso queira saber mais, clique aqui.
Pagamento
Superadas todas as obrigações e prazos previstos no contrato, resta finalmente a obrigação da empresa outorgante realizar o pagamento da indenização prevista.
O valor da bonificação varia muito de acordo com o disposto na cláusula contratual que impõe essa obrigação.
É costumeiro que se estabeleça que o valor pago será conforme a diferença positiva do valor das quotas ou ações no momento da assinatura do contrato e no momento de pagamento, mas também é possível estabelecer o pagamento apenas com base no valor “versus” quantidade de quotas, sem fixar a diferença, ficando mais atrativo para o empregado, nesses casos.
É importante relembrar da incidência de tributos nesse tipo de operação. Ainda que não enseje descontos previdenciários e trabalhistas, o valor deve ser declarado pela empresa que também deverá reter o Imposto de Renda na fonte, em razão do artigo 43 da Lei do Imposto de Renda.
Conclusão
Ressalta-se novamente que o instituto do “phantom share” ainda é pouco utilizado no cenário brasileiro, por desconhecimento das empresas ou por falta de regulação específica.
Entretanto, ainda que pouco conhecido, é altamente eficaz para retenção de talentos, sem que essa retenção implique na empresa em expandir seu quadro de sócios, verificando todas as responsabilidades daí decorrentes.
Recomenda-se a contratação de uma assessoria jurídica especializada nesse tipo de contrato atípico, que fará uma redação coerente e protetiva, trabalhando em conjunto com uma boa contabilidade em momento futuro, para corretamente justificar os pagamentos e repasses.