Como o Direito autoral lida com a tatuagem
A tatuagem já foi uma forma de transgressão. Hoje, é cada vez mais corriqueira e aceita, até mesmo nos meios mais conservadores. É comum mulheres e homens, mesmo com mais idade, ostentarem suas peles com desenhos e frases.
Esse post vai tratar como o direito autoral pode lidar com a tatuagem, com o tatuador e com aquele que solicita o trabalho.
A tatuagem é uma forma de arte, e uma das mudanças corporais mais populares.
Há um tempo, um tatuador norte-americano processou a Nike pelo fato de ter reproduzido em um comercial para a TV seu trabalho impresso no braço do jogador de basquete Rasheed Wallace.
Depois deste caso, a revista eletrônica Vice trouxe outros envolvendo tatuadores, tatuados e empresas que usaram a imagem de pessoas tatuadas em peças de propaganda e em jogos eletrônicos. Ainda não existe notícia de decisão judicial sobre esses casos, pois terminaram em acordo com valores não revelados.
No país, há um precedente recente da Turma Recursal do Rio Grande do Sul envolvendo duas pessoas tatuadas. Uma acusando a outra de ter copiado sua tatuagem. Nenhuma das duas eram tatuadoras, porém uma delas invocou o direito de autor para justificar sua ira contra sua ex-adversa.
Direitos autorais
Os direitos autorais são a proteção que a lei concede para cada artista poder criar as suas obras com a segurança de que ninguém irá usar suas criações sem sua devida autorização.
Quando um artista se dispõe a criar uma tatuagem original e criativa ele necessita abrir mão de seu tempo e da sua capacidade criativa para criar essa arte. Então, os direitos autorais servem para assegurar ao artista que ninguém irá copiar ou usar suas criações sem sua permissão, se isso acontecer, deverá indenizá-lo.
Lei de direitos autorais
A Lei de Direito Autorais (9.610/98) em seu artigo 7º e incisos traz o que a doutrina aponta como objeto do direito autoral.
A Convenção de Berna também traz um rol não taxativo de obras intelectuais a serem protegidas pelo Direito Autoral.
Então, o rol é apenas exemplificativo, escolhendo o legislador, no caput do artigo da lei 9.610/98, a expressão “tais como”, demonstrando, a toda evidência, que outras obras serão protegidas, ainda que não constem do rol.
A lei 9610/98 bastante objetiva no sentido de que as obras intelectuais a serem protegidas serão as criações do espírito, expressas em qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que venha ser inventado no futuro. E o referido suporte pode ser de qualquer natureza.
Assim, entendemos que a tatuagem é objeto de proteção pelo direito autoral, desde a simples compreensão de ser uma obra artística original e criativa. As questões que surgem são: a quem pertence esse direito? Como o titular vai exercê-lo?
As imagens encontradas na internet podem ser usadas?
De maneira alguma a pessoa pode usar livremente as imagens. Não é por que está na internet que são imagens públicas.
Em boa parte das vezes, as artes encontradas no google, instagram ou pinterest têm direitos autorais.
Se você mesmo assim utilizá-las, saiba que correrá sérios riscos, como por exemplo, o artista original terá um prazo de 3 anos para poder buscar as indenizações devidas.
Nos dias de hoje, as informações chegam de forma rápida aos autores e é cada vez mais comum eles descobrirem que tiveram seus direitos autorais desrespeitados.
Mesmo que você leve o desenho, o responsável principal é o tatuador, pois é ele quem reproduz a arte de outro artista sem sua devida permissão.
Porém, as consequências no direito autoral são tão drásticas que o cliente e, inclusive, o estúdio de tatuagem em que o tatuador trabalha serão responsabilizados. Isso porque, de acordo com a nossa lei de direitos autorais, todos que se aproveitam, de alguma forma, da violação de direitos autorais, respondem conjuntamente com o tatuador.
A partir de quando a tattoo se torna autoral
Via de regra os desenhos estão no domínio público, que quer dizer que todos podem usar sem ser preciso autorização. Isso porque, a maioria das tattoos são desenhos simples, corriqueiros a partir de obras já existentes.
Porém, se essas imagens tiverem um toque autoral, modificações importantes que as distanciam das demais, aí se pode falar em direitos de seus autores e a consequente possibilidade de proteção jurídica.
O direito autoral é dado àquele que tem o esforço intelectual de produzir a arte, sendo irrelevante para estabelecimento da titularidade discutir quem pagou pela arte ou quem a reproduziu.
Isso têm especial relevância na discussão do direito autoral na tatuagem, pois o desenho que é impresso na pele daquele que encomenda, por vezes não é feito pelo tatuador e muitas vezes é um ato de repetição de outros já existentes.
No caso de mera repetição de desenhos pré-concebidos, não há direito de autor a ser reclamado, pois se sabe que o simples empreendimento de técnica, mesmo as mais difíceis, não gera autoria.
Sem o esforço intelectual, mas apenas físico, não há titularidade originária. Esse mesmo raciocínio pode ser aplicado àquele que paga pela tatuagem. Não será autor, pois o simples dispêndio de dinheiro não gera titularidade originária de direito de autor.
Para que exista o direito de autor em relação a tatuagem é necessário que o tatuador faça um desenho original e criativo e aplique a técnica. O direito vai recair sobre a arte, sobre a peça plástica produzida, da mesma forma como sobre uma pintura à óleo sobre tela, por exemplo.
Além da titularidade, há um problema no exercício do direito de autor pelo tatuador, ainda mais quando falamos em direitos morais, porque dentre eles há alguns que são de aplicação bastante complicada para uma tatuagem, dado o suporte em que a obra é fixada.
É também direito do autor conservar a integridade da obra, recusando qualquer mudança que possa prejudicá-lo ou atingi-lo em sua reputação ou honra. O cliente do tatuador precisa de autorização para “cobrir” a tatuagem ou mesmo removê-la?
O tatuador teria também a possibilidade de mudar a obra, antes ou depois de utilizada. Então, mesmo que o cliente tenha apreciado o resultado final da tatuagem, o tatuador – como autor de obra intelectual – teria o direito de mudá-la.
Não é simples a análise do Direito Autoral em uma obra artística, sob a forma de tatuagem. Quando se pensa que a plataforma sobre a qual é expresso o desenho é o corpo de outra pessoa fica ainda mais delicado.
Por isso, toda uma ingerência de controle e alteração da tatuagem fica limitada, quando partimos do pressuposto que não há domínio físico sobre a obra.
Assim, haveria o compromisso de parte do direito à exclusividade e há quem questione a necessidade de se dividir a gestão de direitos entre o autor da arte na tatuagem e o “dono” da plataforma, ou seja, a pessoa tatuada.
Outra questão de relevância diz respeito à possibilidade de se proceder ao registro de uma tatuagem, um procedimento para o qual não observa impedimento, pois qualquer obra artística, literária ou científica é passível de registro.
Toda a questão envolvendo tatuagem e Direitos Autorais pode parecer singela, mas ao fazer um exercício e pensar que uma tatuagem se torna imensamente reconhecida e comerciável, além de objeto de vultosa quantia de dinheiro, a questão se torna profunda.
A jurisprudência ainda é limitada sobre o assunto e ainda restam pendentes alguns esclarecimentos importantes, o que não ameniza o interesse sobre os contornos dos direitos envolvidos e sua execução.