Com o passar do tempo, a tecnologia vai evoluindo e grande parte das coisas fazemos de forma eletrônica, inclusive contratos

Introdução
Com a Revolução Tecnológica, as relações e os negócios jurídicos foram evoluindo e se transformando a fim de se adequar à realidade tecnológica desse novo paradigma. Assim, o comércio eletrônico e os contratos eletrônicos passaram a estar cada vez mais presentes no dia-a-dia das pessoas.
De acordo com Sheila Leal, “eletrônico é o meio utilizado pelas partes para formalizar o contrato”. Desse modo, um contrato eletrônico pode ser entendido como um documento que apresenta todas as outras características de um contrato tradicional, mas que, no entanto, a manifestação de vontade das partes é realizada por meio da internet.
Ademais, a forma do contrato não é juridicamente relevante no caso de contratos eletrônicos, não sendo exigida forma específica, desde que não seja contrária à lei.
Por ser um negócio jurídico que pode ocorrer entre partes que se encontram em países diferentes e sem um documento físico, o contrato eletrônico comumente incita algumas dúvidas a respeito do momento da formação do contrato, do local da formação, da validade das assinaturas eletrônicas, da responsabilidade civil, da segurança de informações pessoais etc.
No entanto, de modo geral, os regramentos e regulações destinados aos contratos tradicionais abarcarão, também, os contratos eletrônicos.
1. Princípios do contrato eletrônico:
Além dos princípios do direito contratual – princípio da autonomia da vontade, da boa-fé, consensualismo, supremacia da ordem pública e revisão dos contratos ou onerosidade excessiva -, o contrato eletrônico é regido, também, por alguns princípios específicos, sendo eles: (1) princípio da equivalência funcional dos contratos firmados em meio eletrônico; (2) princípio da neutralidade e da perenidade das normas reguladoras do ambiente digital; (3) princípio da aplicação das normas jurídicas existentes aos contratos eletrônicos; (4) princípio da boa-fé objetiva.
O primeiro princípio, como o próprio nome indica, diz respeito à equivalência dos contratos eletrônicos em relação aos contratos tradicionais, firmados em meios físicos, por escrito ou verbalmente, para todos os fins e efeitos jurídicos.
O segundo princípio diz respeito à necessidade de que as normas específicas que regem o ambiente digital e os negócios jurídicos firmados em meio eletrônico sejam neutras e flexíveis para se adaptar às novidades tecnológicas e regular a matéria sem constituir entrave ao desenvolvimento tecnológico.
O terceiro princípio deriva do primeiro, tendo em vista que, como os contratos eletrônicos tem equivalência com os contratos firmados em meios físicos, o mesmo se aplica às normas que regem estes últimos, as quais também incidirão sobre os contratos eletrônicos.
E por fim, o princípio da boa-fé objetiva, princípio aplicado ao direito contratual tradicional, mas que se torna de extrema importância no âmbito dos contratos eletrônicos, tendo em vista à vulnerabilidade do meio digital em relação às fraudes.
2. Validade do contrato eletrônico
A validade do contrato eletrônico é o principal ponto de preocupação quando da realização de transações eletrônicas, diretamente ligada à questão da segurança jurídica desses contratos. A avaliação da validade do contrato é feita por meio da observação de elementos objetivos, subjetivos e formais.
2.1 Elementos subjetivos
Os elementos subjetivos que um contrato deve apresentar para ter validade são a capacidade civil dos contratantes e a manifestação de vontade das partes livre de vícios.
De acordo com o Código Civil, possuem capacidade civil os maiores de 18 anos e que não estejam com as capacidades mentais prejudicadas (arts. 3º, 4º e 5º do CC). No caso do contrato eletrônico, formado em meio virtual, existe uma grande dificuldade de identificação das partes e verificação da capacidade civil, por isso, os contratantes costumam requerer que os contratados forneçam uma série de informações pessoais.
Desse modo, é extremamente importante que os contratantes, principalmente sites de comércio eletrônico, observem a Lei Geral de Proteção de Dados e suas obrigações legais para que os dados dos contratados (consumidores) sejam mantidos em sigilo e tratados estritamente para as finalidades informadas, honrando a confiança estabelecida entre as partes da relação jurídica.
Em relação à manifestação de vontade, de acordo com Sheila Leal, além da exigência de que o consentimento seja livre de vícios de erro, dolo, e coação, é necessário que todas as informações e os riscos envolvendo a contratação sejam disponibilizadas de maneira fácil e clara de ser entendida.
2.2 Elementos objetivos
Os elementos objetivos exigíveis para que um contrato tenha validade dizem respeito ao objeto do contrato e à forma de pagamento utilizado pelas partes contratantes. Como qualquer contrato, o contrato realizado por meio eletrônico deve possuir um objeto lícito, possível e determinado ou determinável tanto para bens – materiais ou imateriais, como a informação -, quanto para serviços.
Em relação ao pagamento, tem-se que esse pode ocorrer por meio de transferência bancária realizada pelo próprio contratante por meio de um aplicativo ou pelo fornecimento dos dados do cartão de crédito do contratante para que a contratada possa realizar o débito do valor, sem, no entanto, armazenar os dados do cartão fornecidos.
Nesse último caso observa-se novamente a importância da observância das obrigações impostas pela LGPD àquele que requer, armazena, ou, de modo geral, trata os dados pessoais dos usuários ou consumidores.
2.3 Elementos formais
Por fim, os elementos formais dizem respeito à forma e à identificação das partes ou prova dos documentos. Em relação à forma do contrato, tem-se que o contrato eletrônico possui forma livre, desde que não seja contrária à lei.
Os elementos de identificação das partes e prova dos documentos são pontos de preocupação no âmbito dos contratos eletrônicos e que, por vezes, inibem a adesão da população ao comércio eletrônico, tendo em vista que, no ambiente virtual, documentos originais não se distinguem das cópias, criando potenciais riscos para ambas as partes.
Para assegurar que o contrato eletrônico adquira certa segurança em relação à sua validade, garantindo a identidade das partes e a autenticidade dos documentos, recorre-se às assinaturas digitais, as quais identificam quem envia e quem recebe a mensagem.
3. Momento da formação do contrato
Outro elemento a ser observado é o momento da formação do negócio jurídico, bem como se a relação jurídica que se forma é entre presentes ou ausentes.
A celebração do contrato se dá entre presentes quando a manifestação da proposta e da aceitação se dão de forma imediata, no caso dos contratos eletrônicos, quando essa troca é realizada por transmissão instantânea. Nesse caso, tem-se por celebrado o contrato quando o aceitante manifesta sua concordância com a realização do negócio.
O contrato entre ausentes é aquele em que há um lapso temporal entre a manifestação da vontade e o conhecimento desta pela outra parte. Nesse caso, considera-se formado o contrato quando o proponente recebe a aceitação.
4. Local da formação do contrato
O local de formação do contrato é importante para a determinação do foro competente para dirimir questões controvertidas e, comumente, torna-se um ponto de dúvida quando se fala em contratos eletrônicos.
O artigo 435 do Código Civil prevê que reputa-se celebrado o contrato no lugar em que foi proposto. Ainda, o artigo 9º, § 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro dispõe que “a obrigação resultante do contrato reputa-se constituída no lugar em que residir o proponente”. Desse modo, seja entre partes residentes no mesmo país ou em países diferentes, a regra será do local em que a proposta foi realizada.
No entanto, nas relações jurídicas formadas por meio da internet, essas regras tornam-se difíceis de serem observadas, já que as fronteiras físicas não existem nesse ambiente e os critérios comuns baseados em referências físicas perdem o sentido.
Para resolver a situação pode-se recorrer à Lei Modelo da UNCITRAL sobre comércio eletrônico, que dispõe:
Artigo 15 – Tempo e lugar de despacho e recebimento das mensagens de dados
4) Salvo convenção em contrário entre o remetente e o destinatário, uma mensagem eletrônica se considera expedida no local onde o remetente tenha seu estabelecimento e recebida no local onde o destinatário tenha o seu estabelecimento. Para os fins do presente parágrafo:
- a) se o remetente ou o destinatário têm mais de um estabelecimento, o seu estabelecimento é aquele que guarde a relação mais estreita com a transação subjacente ou, caso não exista uma transação subjacente, o seu estabelecimento principal;
- b) se o remetente ou o destinatário não possuírem estabelecimento, se levará em conta a sua residência habitual.
5. Responsabilidade na contratação eletrônica
Nos contratos eletrônicos a responsabilidade civil e a responsabilidade objetiva (fornecedor) é regida exatamente da mesma forma como nos contratos tradicionais previsto no artigo 389 do Código Civil, bem como nos arts. 12, 13 e 14 do Código de Defesa do Consumidor.
Ademais, nas contratações ocorridas no comércio eletrônico, por possibilitarem uma cadeia de fornecedores, as responsabilidade irão variar de acordo com o suas classificações, cabendo ao fornecedor o direito de regresso contra o responsável.
Fato é que os fornecedores intermediários dos comércios eletrônicos (os sites de compra) não adquirem o produto, apenas realizam a intermediação da venda, no entanto, certo é que, apesar disso, se forma uma relação jurídica entre eles. Nesse sentido, é aplicável o artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, que admite a responsabilidade subsidiária do fornecedor intermediário (aquele que apenas efetua a venda do produto e não o produz) quando verificadas as seguintes hipóteses: I – o fabricante, o construtor, o produtor ou o importador não puderem ser identificados; II – o produto for fornecido sem identificação clara do seu fabricante, produtor, construtor ou importador; III – não conservar adequadamente os produtos perecíveis.
Considerações finais
Pode-se observar que o Direito não acompanhou o desenvolvimento dos contratos eletrônicos, havendo lacuna no ordenamento jurídico no que diz respeito à regulação dos contratos eletrônicos.
No entanto, enquanto não há lei vigente com regulações específicas, o direito eletrônico é regido pelo Direito Contratual, Direito Civil e Direito do Consumidor e pode se basear na Lei Modelo da UNCITRAL sobre comércio eletrônico.
1 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos: Validade Jurídica dos Contratos via Internet. 1ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.79
2 LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos: Validade Jurídica dos Contratos via Internet. 1ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009. p.137
3 RIZZARDO, Arnaldo. Contratos. Rio de Janeiro: Ed. Forense, 2020.
REFERÊNCIAS
LEAL, Sheila do Rocio Cercal Santos. Contratos Eletrônicos: Validade Jurídica dos Contratos via Internet. 1ª Ed. São Paulo: Atlas, 2009. P.79
OLIVEIRA, Natalia Cristina Willms. Contrato eletrônico: responsabilidade jurídica no e-commerce. SAJADV, 05 mar. 2020. Disponível em: https://blog.sajadv.com.br/contrato-eletronico-no-e-commerce/#:~:text=O%20contrato%20eletr%C3%B4nico%20tem%20como,contrato%20ser%C3%A1%20nulo%20ou%20anul%C3%A1vel. Acesso em: 24 fev. 2021.
MIRANDA, Janete. Contratos Eletrônicos – princípios , condições e validade. Jan75.jusbrasil.com.br, 2016. Disponível em: https://jan75.jusbrasil.com.br/artigos/149340567/contratos-eletronicos-principios-condicoes-e-validade#:~:text=Os%20princ%C3%ADpios%20de%20identifica%C3%A7%C3%A3o%2C%20autentica%C3%A7%C3%A3o,norteia%20o%20direito%20contratual%20eletr%C3%B4nico. Acesso em: 29 mai. 2022